MULHER FAZ BOOK E CHÁ DE LNEÇO PARA ELEVAR AUTOESTIMA E ENCARAR O CÂNCER

Dois meses após descobrir câncer no ovário, Cristiane, 37 anos, organizou um chá de lenço com as amigas (Foto: Babi Cocolichio/Divulgação).

Cristiane Gomes da Luz, 37 anos, foi diagnosticada com câncer de ovário.
Tumor virou metástase; gaúcha luta para tratar a doença de forma positiva.

Em menos de três meses, a vida de Cristiane Gomes da Luz, 37 anos, passou por uma transformação. A rotina da porto-alegrense, casada há 15 anos e mãe dos pequenos João, 4, e Maria, 7, foi completamente alterada em função das idas cada vez mais frequentes ao hospital. Em abril deste ano, a advogada foi diagnosticada com câncer no ovário. Em poucos dias, porém, o quadro de saúde dela apontou uma constatação ainda mais grave: já era metástase.
Apesar do abalo inicial, Cristiane buscou alternativas para encarar a temível doença. Organizou um chá de lenço, fez um ensaio de fotos dando adeus aos longos cabelos de que tanto gostava e apostou na autoestima e positividade para seguir em frente, apesar dos desafios. Para isso, se armou de bom humor. A autopiedade não combina muito com ela.
Sinto que a minha alegria é o que vai me ajudar a matar o câncer. É assim que eu vou levar a vida, de qualquer forma”
Cristiane Gomes da Luz, 37 anos
“Eu tive muito medo de morrer, mas não posso mentir que ficar careca era um pânico pra mim”, afirma ela em entrevista ao G1, em meio a uma sessão de quimioterapia. “Mas hoje eu sinto que a minha alegria é o que vai me ajudar a matar o câncer. É assim que eu vou levar a vida, de qualquer forma”, completa ela.
O câncer de ovário não é o mais incidente entre as mulheres e perde no ranking para os mais comuns, como de mama e o de colo de útero. No Rio Grande do Sul, a estimativa para 2016 é de 350 casos para cada 100 mil gaúchas, segundo o último levantamento divulgado pelo Instituto Nacional do Câncer (Inca).
Sem histórico familiar e fora da idade considerada de risco, Cristiane descobriu a doença por acaso, quando estava prestes a fazer uma laqueadura, cirurgia que fecha as tubas uterinas para impedir a descida do óvulo e a subida do espermatozoide, causando a esterilização da mulher. Dias antes, cólicas intensas e sangramentos esporádicos causaram estranhamento e a levaram duas vezes para a emergência de um hospital em Porto Alegre.
“Eram cólicas de chorar. Mas achei que pudesse ser alguma coisa do DIU (dispositivo intrauterino) e por isso optei pela laqueadura. Ninguém acha que vai ter câncer nova assim”, conta ela, que diz que estava acostumada a visitar a ginecologista anualmente para passar por exames de rotina.
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Cristiane cortou as longas madeixas ao iniciar quimioterapia (Foto: Babi Cocolichio/Divulgação)

Mas não era o DIU. Em 12 de abril deste ano, já no bloco cirúrgico para ser submetida a laqueadura, a médica de Cristiane se deparou com uma massa cinzenta cobrindo os dois ovários, em um deles aparecia bem maior que o outro. Imediatamente, ela colheu um pequeno fragmento do tecido e encaminhou para a biópsia, que confirmou: era um tumor maligno. “Eu não ouvi quase nada que ela me disse, só queria saber se ia morrer”, lembra.
Ainda com poucas informações, foi mandada de volta para casa. Recorreu, porém, ao que chama de “Doutor Google”, na tentativa de acalmar a ansiedade. Mas o efeito foi contrário. Os resultados do buscador a impressionaram mais ainda.
“Li um monte de coisa ruim na internet e logo passei a sentir fisgadas muito fortes na barriga. No outro dia, doía muito. Eu estava apavorada”, afirma ela, que voltou ao hospital, às pressas.
O câncer no ovário migrou para outros órgãos
Internada por conta de um inchaço na barriga, Cristiane teve a cirurgia antecipada. O procedimento durou sete horas. Foi quando o cirurgião oncológico Márcio Boff percebeu que o câncer no ovário, na verdade, já estava percorrendo o corpo de Cristiane.
“Eu estava tomada. Era para ser só o aparelho reprodutor, mas tirei vesícula, apêndice, um pedaço do baço, um pedaço do intestino”, lista ela, que por conta da última remoção passou a usar uma bolsa de ileostomia, uma espécie de recipiente adesivo externo usado por quem tem uma abertura na região abdominal, para armazenar as fezes. Segundo Cristiane, a bolsa de ileostomia é esvaziada, no mínimo, dez vezes ao dia. “É uma das partes mais chatas”, afirma.
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Cristiane fez questão de registrar o corte de cabelo em um ensaio (Foto: Babi Cocolichio/Divulgação)
O diagnóstico de metástase abalou ainda mais a família. Cristiane confessa que pensou em desistir. Chorou, sofreu, mas levantou a cabeça e, antes de abrir mão da própria vida, resolveu lutar. “Tinha momentos que eu queria que Deus me levasse, sabe? Queria desistir, de tanta dor, tanto sofrimento. Mas não podia, tenho meus filhos, meu marido”, diz.
Após 20 dias internada, Cristiane sentia-se fraca. Teve alta do hospital, mas passou os dez dias seguintes deitada na cama, debaixo das cobertas. Deixou de lado as tarefas do dia-a-dia que mais lhe davam prazer, como cuidar dos filhos, levá-los e buscá-los na escola. “Eu estava ali deitada só esperando o meu tempo passar”, recorda.
Só depois Cristiane percebeu que, na verdade, viver da mesma forma que vivia antes de descobrir a doença e retomar a velha rotina lhe traria de volta a felicidade que estava faltando. “Eu já não tinha mais dor, depois da cirurgia. E foi assim que comecei a me sentir feliz de novo”, diz ela.
Apoio nas redes sociais reerguem Cristiane
Comunicativa, desinibida e com tempo livre, ela encontrou nas redes sociais uma maneira de contar sua história. Foi quando criou a página “Luz da Cris” no Facebook, em alusão também ao seu sobrenome, onde resolveu compartilhar por meio de vídeos e textos sua rotina de tratamento, e percebeu que isso a ajudou a se reerguer.
“Eu acho que o maior erro das pessoas com câncer ou com qualquer doença grave é se esconder. Porque o que se recebe de mensagens de apoio é impressionante. Eu estava na padaria outro dia, com uma amiga, e uma moça me viu e quis me dar um abraço. Disse que achou a minha página nas redes sociais. Eu nunca vou esquecer disso”, detalha.
Mesmo após a cirurgia, o tratamento recém começaria. Seis sessões de quimioterapia lhe aguardavam. A primeira, realizada no dia 15 de junho, empolgou Cristiane.
“Eu estava louca pra fazer quimio. Cheguei lá, vi todo mundo quieto, e pensei: ‘Que tristeza é essa, dessa gente?’. Eu achei que era todo mundo junto, todos os carecas ali trocando ideias, conversando. E não, é só eu em uma sala, muito confortável e tal, mas eu adoro bater papo, ia adorar estar com as pessoas”, conta.
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Cristiane ao lado do marido e dos filhos em sessão de fotos que registrou seu novo corte de cabelo (Foto: Babi Cocolichio/Divulgação)

Chá de lenço reúne as amigas e ensaio de fotos registra a perda do cabelo
No entanto, as consequências da quimioterapia viriam. Embora não sinta os efeitos colaterais do tratamento, um deles era fato: em 15 dias, os longos fios de cabelo começariam a cair. Era o câncer atingindo em cheio a feminilidade de Cristiane, facilmente percebida nas unhas bem feitas e no delineador traçado nos olhos.
“Saí no mesmo dia em todas as lojas de peruca de Porto Alegre. E achei tudo meio brega. Eu queria uma peruca que fosse igual ao meu cabelo. Eu amava o meu cabelo. E a vendedora me indicou os lenços. E eu sempre associei: ‘Ai, está andando de lenço, está com câncer, está na cara’. Mas aí eu experimentei e me apaixonei. Saí com dois lenços da loja”, conta.
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Cristiane reuniu amigas no chá de lenço e adotou o adereço (Foto: Babi Cocolichio/Divulgação)
Inspirada pelo livro “Quimioterapia e Beleza” da ex-modelo Flavia Flores, que aos 35 anos foi diagnosticada com câncer de mama, Cristiane teve a ideia de organizar um “chá de lenço”. Convocou as amigas e armou a festa, que teve chá só no nome. Taças de vinho e espumante acompanharam a formação da nova coleção de lenços, turbantes, boinas, toucas e chapéus.
“Foi um sucesso total. Eu digo que as minhas amigas mataram minhas células cancerígenas a cada depoimento, a cada força que elas me dão. O câncer não quer um corpo bom. Ele quer um corpo derrotado pra tomar conta. O meu cabelo, a quimio tirou, mas o câncer não vai me derrubar”, pontua.
E antes que as madeixas começassem a cair, Cristiane criou coragem a marcou horário no cabelereiro. “Na noite anterior, lavei meu cabelo e chorei muito tempo no banheiro. Foi muito triste, muito difícil pra mim”, recorda.
O momento, embora doloroso, foi registrado em um ensaio de fotos, com a presença do marido e dos dois filhos. “Meus filhos são muito especiais. Para ela eu disse que tinha uma bolinha, que me causava muita dor. Aí depois contei que era câncer. Ela sabe o que é, porque viu nas novelas. E achou que eu ia virar uma estrelinha o céu. Mas agora ela entende melhor”, observa. “Ele, de início, ficou assustado com o fato de eu ficar careca. Disse que eu ia ficar feia. Depois de um tempo ele me disse que ia me amar igual, mesmo careca. Chorei, né?”.
Médico garante que encarar doença de forma positiva traz ‘mais sucesso’
Médico oncologista do Instituto do Câncer do Hospital Mãe de Deus, em Porto Alegre, Stephen Stefani acompanha de perto o tratamento de Cristiane. Durante a sessão de quimioterapia, que dura em média quatro horas, ele faz uma rápida visita e impressiona-se com a reação da paciente ao procedimento.

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Cristiane faz a segunda das seis sessões de quimioterapia previstas (Foto: Rafaella Fraga/G1)

O médico sustenta que o diagnóstico de câncer já não é mais uma sentença de morte. Ele pondera que cada caso é um caso, mas afirma que não é conversa fiada que o pensamento positivo ajuda na recuperação. Segundo ele, a ciência comprova que encarar o diagnóstico e o tratamento de forma positiva traz mais sucesso aos resultados.
“A maneira como se encara essa doença e as adaptações faz toda a diferença. Parece intuitivo, mas é cientificamente comprovado que uma atitude positiva e uma expectativa responsável, mas otimista, traz resultados mais interessantes do que aquela pessoa que se entrega”, garante. “A mensagem de encarar a doença, e de não querer disfarçá-la, é muito poderosa. O posicionamento de enfrentamento é que torna a pessoa bonita”, acrescenta.
Parece intuitivo, mas é cientificamente comprovado que uma atitude positiva e uma expectativa responsável, mas otimista, traz resultados mais interessantes do que aquela pessoa que se entrega”
Stephen Stefani, médico oncologista
O médico diverte-se ao falar do caso de Cristiane. “É verdade, ela está acima da média”, ri, e  brinca com a receita dela de aliar a fé e o temperamento alegre mesmo em ambiente melancólico como o de um hospital.
“Ela é realista, mas encara muito bem. Vou começar a marcar a quimio dela para de manhã bem cedo e na verdade iniciar mais tarde, que enquanto isso ela fica por horas animando o pessoal na recepção”, sugere.
No entanto, ele destaca a importância da informação e do acompanhamento médico. “É claro que existem essas maneiras culturais e de posicionamento que fazem a diferença, mas ninguém encara isso se não tem ferramentas para isso, por exemplo a informação. E posso assegurar que não é o Google, como todos os pacientes fazem. O problema que lá tem muita informação, boa e ruim. As pessoas que estão lendo não estão treinadas para interpretar isso”, alerta, mas reforça que o amparo de amigos e familiares também é fundamental no processo. “Nenhum suporte é mais poderoso que o amparo da família e amigos”, conclui.

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