Do sertão brasileiro para as ruas de Paris na COP21

RAFAELA



*Por Rafaela Borges
Quem me vê contente, disposta e bem agasalhada andando pelas ruas de Paris estas semanas em que a COP21 ocorre, não imagina minha jornada para chegar até aqui. E também não faz ideia do quanto, aos 25 anos, já tive minha vida pessoal diretamente afetada pela mudança climática.
Meu nome é Rafaela Borges e eu venho de gerações de agricultores de uma comunidade chamada Matolotagem, no Sertão do Pajeú, Pernambuco. Vivo com meu filho Miguel, de dois anos, minha mãe e meus irmãos. Quando crianças, fomos criados num contexto em que havia pouca coisa para comer e minha mãe, como muitas mulheres no Brasil, sofreu violência física no casamento com meu pai.
Os problemas que enfrentamos para produzir alimentos estão relacionados à pobreza e foram drasticamente agravados por mudanças imprevisíveis no clima. Nas terras secas do Pajeú onde vivemos, sempre houve uma pequena quantidade de cultivo durante metade do ano, um montante que, em seguida, queimava-se sob o sol quente da estação seca. Lidar com esta situação sempre foi difícil, mas a minha família soube superar os obstáculos para produzir alimentos para colocar à mesa. Desde pequena, aprendi práticas agrícolas, mas, com o tempo, o que funcionou por muitas gerações para contornar as dificuldades da seca, deixou de ser eficiente. Os períodos de seca se tornaram mais frequentes.
As chuvas que costumavam cair de janeiro a junho não são mais regulares e previsíveis. Até recentemente, não havíamos conseguido armazenar água durante três anos consecutivos, ou seja, todas as manhãs eu colhia o que podia por um dia de cultivo, cozinhava, lavava e bebia, mas não tinha ideia se seria capaz de fazer o mesmo no dia seguinte. Quero destacar também que, enquanto nós temos tão pouca água, o agronegócio que atua nas proximidades da nossa propriedade a desperdiça fartamente.
Com o apoio de uma organização local chamada Centro Sabiá, parceira da organização internacional de combate à pobreza ActionAid, aprendi técnicas da agroecologia, como novas formas de trabalhar no solo cada vez mais seco e meios de armazenar água. Uma solução foi a construção de uma cisterna ao lado da minha casa para guardar água da chuva fresca. Outra é cavar canais de água ao lado das colheitas, chamadas cisternas calçadão. Hoje, sou uma jovem liderança na minha comunidade, compartilho o que aprendi, incentivo outras pessoas a fazer o mesmo e, juntos, temos tentado lutar contra as corporações agrícolas que dificultam nossa situação. Também temos exigido que o governo federal melhore suas políticas para a juventude.
Minha vontade é que o que eu e minha comunidade aprendemos sobre a luta real e atual contra a mudança climática não fique restrito à nossa região rural no Brasil. Minha família, amigos e vizinhos estão gradualmente retomando o cultivo de determinadas culturas e começando a enxergar um futuro com mais segurança. Mas se as drásticas mudanças no clima continuarem, teremos de enfrentar a mesma ruína de comunidades atingidas por tufões em outras partes do mundo, com a exceção de que, no nosso caso, isso será, em grande parte, inédito.
Por isso, eu vim a Paris, para a Conferência de Juventude, contar minha experiência e fazer os líderes mundiais entenderem que o ônus da mudança climática é real e extremo. Durante as próximas duas semanas, essas lideranças precisam chegar a um acordo que, de fato, torne nossas vidas e as das gerações futuras melhores. Minha vontade é que meu filho viva num mundo mais justo e que nossa história de vida influencie as escolhas dos poderosos reunidos na capital francesa, mesmo depois que eu tiver voltado para casa.
*Rafaela Borges é agricultora pernambucana e beneficiada pelo trabalho de assistência técnica realizado pelo Centro Sabiá, com o apoio da ActionAid



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