Com a música, a esperança vence a preocupação nesta UTI para bebês

Eles são pequenos e frágeis, mas nem por isso menos valentes. Ainda não conhecem suas respectivas casas, mas ali onde estão, de alguma forma, a equipe de enfermeiros e a família constroem um lar.
A grande maioria não tem previsão de saída - e lidar com essa expectativa é extremamente angustiante para quem os acompanha. Entre leitos e equipamentos, asmulheres fazem vez de mães-canguru, companheiras de espera e de amamentação.
O cenário destas relações é a Unidade de Cuidados Intensivos Neonatal (Ucine) do Instituto da Criança, que pertence ao Hospital das Clínicas de São Paulo. Ou seja: Uma UTI para bebês.
A sala com muita luz artificial é, ao mesmo tempo, espaço público e de confinamento. A unidade chama atenção pelos sons ao redor: barulhos abafados dos passos apressados da equipe médica e os ruídos constantes das máquinas de sensores vitais disputam espaço com o silêncio apreensivo das mães que acompanham a respiração dos pequenos nas incubadoras.
Uma vez por semana, porém, este ambiente é transformado pela música. Os responsáveis são violeiros, cantores, flautistas, violinistas e até sanfoneiros, todos profissionais do Grupo Saracura.
O coletivo de músicos tem como missão a humanização dos hospitais, e ao se propor a essa tarefa, transforma não só as salas de internação, mas, principalmente, as relações ali construídas.
"Eu gosto quando eles tocam porque é o único momento que eu consigo perceber o que faz a minha menina sorrir. O que agrada mais e o que a incomoda. A partir daí, eu a entendo melhor."
O depoimento é de Daniela, mãe da Daphine, que está há nove meses internada na Ucine e ainda sem previsão de alta. Embalada ao som de "Galinha Pintadinha", a pequena acompanha tudo o que acontece com olhar atento e sobrancelhas expressivas.
As apresentações
Atualmente, o grupo visita nove hospitais e faz, em média, 60 apresentações mensais. O público varia entre crianças e adultos, filas do pronto socorro, salas de quimioterapia ou hemodiálise, alas de ortopedia e quartos de pacientes em recuperação. Para os músicos nada disso importa, desde que tenham pessoas que possam escutá-los. E, para eles, não há fatores limitadores para o ouvir.
"Já tocamos para crianças surdas e foi incrível a forma como elas sentiram o som. Porque o som mexe fisicamente, também, ao vibrar o ar. O corpo é um sensor por inteiro e ouve além da audição: o ar sai do limite de um corpo e toca o outro corpo em seu interior. A música, por si só, tem essa capacidade de acesso à memória afetiva em qualquer situação."
As palavras do flautista Danilo Sene fizeram todo o sentido ao acompanharmos a apresentação dos trovadores na UCINE: para os recém-nascidos, estímulos visuais, por exemplo, talvez não fossem capaz de afetá-los. Mas a música sim: ora acalma, ora agita, e isso é notável por meio da mudança dos sensores vitais, como o batimento cardíaco dos bebês.
O repertório é amplo e vai desde músicas atuais até as clássicas cantigas de roda, como explica Daniel Zacharias, sócio-fundador do grupo.
"Não temos restrições de músicas, desde que sejam melodias capazes de despertar sentimentos. O repertório também é montado junto com o público. Várias das músicas que tocamos hoje foram sugestões e pedidos de pacientes ou acompanhantes durante alguma visita."
O grande diferencial é mesmo a interpretação. Os integrantes do Saracura não economizam na criatividade na hora de adaptar o ritmo e a performance, seja de uma faixa clássica de Gilberto Gil ou de uma cantiga, como Alecrim Dourado.

O Saracura
É possível guardar boas lembranças da passagem por um hospital?
Com esta pergunta o coletivo se define como profissionais dispostos a disseminarcultura e arte para amenizar o estranhamento das crianças e seus acompanhantes nos períodos fora de casa.
Para fazer parte do grupo há uma etapa de adaptação e treinamento antes de qualquer apresentação.
O Saracura desenvolve semestralmente um programa de capacitação para os novos integrantes e o único pré-requisito é ser um músico profissional.
O programa é voltado para as dificuldades e cuidados envolvidos na atuação específica em unidades de saúde, além de estágios supervisionados e práticas musicais que visam a estimular e desenvolver o potencial de interação dos músicos dentro dos hospitais.
A logística e o financiamento são os grandes obstáculos do projeto. Hoje, eles são mantidos por contratos diretos com os hospitais particulares em que atuam.
Já nos hospitais públicos, a contratação se dá por meio de editais e leis de incentivo a cultura - estas últimas passíveis de modificações de acordo com as decisões governamentais. Por isso, o grupo também aceita contribuições de pessoas físicas e jurídicas, como explicado em seu site.
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