A polêmica sobre o rastreamento do câncer de próstata

A polêmica sobre o rastreamento do câncer de próstata



Campanha nacional de combate ao câncer de próstata realizada pelo Instituto Lado a Lado pela Vida, chama atenção para a importância de fazer anualmente os exames que ajudam a detectar a doença: a recomendação vale para homens acima dos 50 anos; e a partir dos 45, no caso de homens negros ou que tenham histórico familiar. 
“De dez casos diagnosticados com câncer de próstata, em oito deles o PSA levantou a suspeita para fazer o diagnóstico. Mas, em dois deles, o PSA é normal e o toque retal é alterado – e aí, graças ao toque retal alterado, foi feito a suspeita e a biópsia, que confirmou o resultado”, explica o oncologista Fernando Maluf, em entrevista recente para o Jornal Nacional, da Rede Globo. Contudo, a recomendação ainda divide opiniões entre os especialistas.
Integrante do Comitê Científico do Instituto Lado a Lado, o urologista Carlos Alberto Bezerra aborda a polêmica, apresentando os riscos e benefícios da realização de exames preventivos, e explica porque defende – assim como o Instituto Lado a Lado e a Sociedade Brasileira de Urologia – a prevenção em prol do diagnóstico precoce e combate à doença. Confira esclarecimento escrito pelo especialista:
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Aos meus amigos médicos não urologistas e aos meus pacientes, gostaria de me posicionar a respeito dessa polêmica, que infelizmente está sendo divulgada pela mídia de forma leviana e até irresponsável.
O rastreamento do câncer é a busca ativa por casos precoces em indivíduos saudáveis. Isso pode ser uma política de saúde pública ou uma campanha institucional por órgãos interessados no bem-estar da população.
Acontece que os exames de rastreamento do câncer de próstata não são perfeitos e por isso identificam pacientes com suspeita da doença e que, depois de exames mais profundos, são identificados como não portadores de câncer; ou, identificam casos de câncer que são indolentes (evoluem lentamente e não são capazes de levar o paciente ao óbito). Por outro lado, os mesmos exames identificam os casos de câncer de próstata que realmente são beneficiados pela estratégia e serão adequadamente tratados.
Para que essa estratégia seja correta, é necessário que ela leve ao seguinte resultado: baixo risco de complicações para os pacientes que se submetem aos exames e diminuição dos casos de morte por câncer de próstata.
Infelizmente, alguns pacientes que precisam fazer um exame mais profundo (biópsia de próstata) apresentam complicações: infecções, septicemia e até morte em consequência dessa infecção (isso, muito raro). Além disso, às vezes é difícil diferenciar um caso de câncer de próstata indolente de um mais agressivo e o paciente acaba sendo tratado, sem se saber ao certo se esse tratamento (cirurgia ou radioterapia) tem benefício.
Antes da era do exame de PSA, os urologistas identificavam os casos de câncer de próstata, na maioria das vezes, apenas quando os pacientes tinham sintomas ou procuravam por outros motivos e eram examinados, aleatoriamente. Esses casos, geralmente, eram de doença avançada e a maioria dos pacientes morriam em consequência dela. E eram mortes dramáticas, com muito sofrimento dos pacientes.
Com o advento desse exame, passou-se a identificar casos cada vez mais precoces, o que levou ao aumento dos casos de cirurgia e radioterapia. Hoje, morrem muito menos pessoas em decorrência da doença do que antigamente. Entretanto, começou-se a identificar, também, os casos que não precisam de tratamento e começou-se a realizar mais biópsias de próstata, levando ao aumento dos casos de infecções e de internações provocadas por esse exame.
Isso fez com que fossem realizados estudos epidemiológicos para se pesquisar se a estratégia estava, de fato, valendo a pena. Será que o número de pacientes beneficiados é grande o suficiente para compensar o risco para os pacientes não beneficiados?
Pesquisas para responder a essa pergunta são muito difíceis de realizar. É preciso acompanhar uma grande quantidade de pacientes, submetidos à estratégia de rastreamento, por um período de tempo suficiente (mais de 10 anos, idealmente mais de 15) e compará-los com um grupo de pacientes de idade e origem semelhante, de mesma proporção que não se submeteram ao rastreamento. Nenhuma pesquisa, até hoje, conseguiu isso.
Pesquisas de qualidade inferior e com problemas metodológicos foram realizadas e foram incapazes de mostrar benefícios e a interpretação dessas pesquisas é que gerou a controvérsia vigente atualmente. Algumas delas também não mostraram que a estratégia é ruim.
Epidemiologistas e médicos de família (ressalto, profissionais que não acompanham e nem tratam pacientes com câncer de próstata) interpretam que a falta de evidências científicas é motivo para se recomendar que não se faça o rastreamento. Urologistas e oncologistas interpretam de forma oposta. Esse é, portanto, um tema controverso e ainda vai levar alguns anos para que seja esclarecido. Enquanto isso, existem duas opções a serem adotadas: 
a) Parar de fazer o rastreamento (voltar à era pré-PSA). Risco: aumentar os casos de câncer de próstata avançado, aumentar os custos com o tratamento de casos avançados (quimioterapia, radioterapia, cirurgias paliativas) e aumentar o número de casos que morrem em consequência da doença.
b) Continuar a fazer o rastreamento. Risco: ter que lidar com os casos de prostatite aguda e de impotência sexual/incontinência urinária decorrentes da biópsia em pacientes sem câncer e da cirurgia em pacientes com câncer indolente.
Não se sabe qual risco é maior. Na falta de evidências oriundas de pesquisas de alta qualidade científica, qual risco os pacientes preferem?
A minha interpretação, que é a mesma do Instituto Lado a Lado pela Vida, por meio do Novembro Azul, e da Sociedade Brasileira de Urologia, é que devemos manter a estratégia de rastreamento do câncer de próstata. Ainda assim, esclarecendo bem os pacientes que escolherem seguir essa orientação.


CARLOS ALBERTO BEZERRA


Urologista

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