‘Biópsia líquida’ permite detectar câncer por exame de sangue


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FOTO: Capa da Science Translational Medicine, com uma ilustração de fragmentos de DNA ‘vazando’ de um tumor para a corrente sanguínea. Crédito: C.Bickel/Science Translational Medicine
Herton Escobar / O Estado de S. Paulo
Num futuro não muito distante, pacientes com câncer poderão monitorar a progressão (ou regressão) de sua doença por meio de exames rotineiros de sangue, sem a necessidade de biópsias invasivas ou exames complexos de imagem.
E quem sabe, num futuro um pouco mais distante, será possível, por essa mesma técnica, fazer o diagnóstico precoce de novos casos de câncer, antes mesmo de o tumor se tornar visível ou palpável por qualquer exame tradicional.
É o que indicam dois trabalhos publicados na edição desta semana da revista Science Translational Medicine, que atestam a eficácia do uso de DNA tumoral circulante (ctDNA, em inglês) como marcador sanguíneo para o diagnóstico e monitoramento de vários tipos de câncer.
Eles mostram que é possível, por meio da análise de fragmentos de DNA das células tumorais que “vazam” para a corrente sanguínea, identificar características genéticas do tumor e monitorar a evolução da doença no decorrer do tratamento – para detectar, por exemplo, a ocorrência de metástase (quando células do tumor primário se espalham para outros órgãos) ou o surgimento de mutações importantes para o direcionamento da terapia (por exemplo, mutações que tornam o tumor mais agressivo ou resistente a determinadas drogas) .
Tudo isso por meio de exames de DNA no sangue, que os cientistas apelidaram de “biópsia líquida”.
A ideia não é nova; já vem sendo testada há alguns anos por vários laboratórios ao redor do mundo. O que os novos trabalhos trazem uma é mais uma “prova de conceito” contundente do seu potencial para aplicações práticas na medicina. A principal vantagem seria a possibilidade de monitorar continuamente a doença por meio de um método relativamente simples, rápido e não invasivo – muito mais prático do que a realização de biópsias “sólidas” de tumores (que muitas vezes estão em locais de difícil acesso no corpo) e muito mais preciso e informativo do que o monitoramento de outros marcadores moleculares, como o PSA, relacionado ao câncer de próstata.
“É uma estratégia que, provavelmente, vai ter uma utilidade clínica muito grande”, prevê a pesquisadora Suely Marie, do Departamento de Neurologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Ela e a colega Sueli Shinjo, do mesmo departamento, são co-autoras em um dos trabalhos, que testou o uso da “biópsia líquida” de ctDNA na detecção e caracterização de tumores de 640 pacientes com vários tipos de câncer.
A eficácia da técnica variou entre 50% e 75%, de acordo com o tipo de tumor e o estágio da doença. A eficiência mais alta foi na detecção de tumores avançados do pâncreas, ovários, intestino (colorretal), bexiga, esôfago, mama e pele. A eficácia mais baixa foi para tumores primários nos rins, próstata, tireoide e no cérebro – este último, o órgão no qual o trabalho das pesquisadoras brasileiras está mais focado.
“Estamos na luta ainda para encontrar biomarcadores eficientes para tumores do sistema nervoso central”, afirma Suely. A dificuldade, neste caso, deve-se a uma barreira natural de membranas que isolam parcialmente o cérebro e a medula espinhal do sistema circulatório do organismo como um todo, chamada barreira hematoencefálica, ou “barreira sangue-cérebro”. Isso impede que fragmentos de DNA de tumores internos vazem em grande quantidade do cérebro para a corrente sanguínea; consequentemente, reduzindo a eficiência da técnica para esse tipo de câncer.

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