Médico alerta sobre suposta substância contra o câncer




Nas últimas semanas, entidades médicas, especialistas e pacientes têm movimentado o debate acerca da liberação da fosfoetanolamina, suposta droga contra o câncer desenvolvida por um professor aposentado do Instituto de Química de São Carlos (IQSC), da Universidade de São Paulo (USP).
Em reportagem exibida recentemente pelo Fantástico, da TV Globo, o Dr. Drauzio Varella e a Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica se posicionaram publicamente, chamando atenção sobre os riscos da utilização da substância - que não passou por testes clínicos em humanos -, enquanto pacientes e familiares têm se mobilizado em ações em prol da liberação da fosfoetanolamina, como mostra este evento criado no ambiente de uma rede social.
Integrante do Comitê Científico do Instituto Lado a Lado e diretor de oncologia clínica do Centro Oncológico Antônio Ermírio de Moraes, em São Paulo, o médico Fernando Maluf explica polêmica em torno da substância e faz um alerta importante. Leia esclarecimento na íntegra: 
Muito tem se falado sobre a fosfoetanolamina. Isso veio, em grande parte, por uma notícia que anuncia essa substância como altamente eficaz no tratamento do câncer, com alguns depoimentos, inclusive, de pacientes. 
A meu ver – e acredito que a minha impressão vai em alinhamento com a comunidade científica, que não só trata pacientes com câncer, mas que executa pesquisas clínicas de ponta e que são pesquisas clínicas baseadas em drogas que passaram por todo um processo e todas as fases de seu desenvolvimento assegurando não só a eficácia do remédio, mas também a segurança aos pacientes - é que a literatura sobre a fosfoetanolamina ainda é extremamente precária, e ela está restrita basicamente a estudos em linhagens celulares de tumores hematológicos e alguns tumores sólidos, e também alguns poucos estudos em animais. 
Ou seja, ainda falta o desenvolvimento desta droga, não só em termos para ver se ela realmente funciona; em quem funciona; em quais os tipos de tumores, mas também se ela é segura e não traz efeitos colaterais que coloquem em risco a vida humana. 
Como qualquer medicamento, existem passagens importantes que devem ser feitas em termos de estudos, o que não aconteceu com esta droga, e por isso ela não deve ser recomendada.
A notícia que foi veiculada e chegou a nós, infelizmente é uma notícia despreparada, não responsável, na minha opinião, e que gerou um frisson, uma expectativa dos pacientes que com certeza estão obviamente procurando boas alternativas pra cuidar de uma doença, que é muitas vezes tão difícil. 
A minha recomendação é que não deva se usar esse remédio, como nenhum outro que não tenha uma comprovação baseada em dados científicos, não só da sua eficácia, mas da sua segurança.
Portanto, infelizmente a comunidade médica viu com muito ceticismo, com muito antagonismo o jeito que essa droga foi veiculada no mecanismo de imprensa. Isso gerou, obviamente, uma impressão muito ruim mesmo de médicos como eu, que sempre procuram alternativas comprovadas para combater e curar o câncer. 
Entenda a polêmica
Durante mais de uma década, a fosfoetanolamina sintética foi distribuída gratuitamente. Em 2014, uma portaria do Instituto de Química da USP São Carlos suspendeu a entrega de substâncias experimentais sem registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Pacientes foram à justiça e conseguiram liminares para manter o tratamento, mas o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) derrubou as decisões. O debate ganhou visibilidade quando o Supremo Tribunal Federal (STF) liberou, no início do mês, a uma paciente do Rio de Janeiro, o acesso à substância, suspendendo a decisão do TJ-SP. 
De acordo com a Anvisa, nenhum processo de registro de medicamento foi apresentado à Agência para que a fosfoetanolamina possa ser considerada um medicamento.
Em nota, a USP reitera que a substância desenvolvida não é remédio. “Não se trata de detalhe burocrático o produto não estar registrado como remédio – ele não foi estudado para esse fim e não são conhecidas as consequências de seu uso”, afirma.


Por Fernando Cotait Maluf

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