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EDUCAÇÃO EM DIABETES: UM DEVER DE TODOS


Conceito de educação em diabetes
A educação em diabetes é um processo de aprendizagem que tem por objetivo orientar as pessoas com diabetes sobre como enfrentar os desafios e as eventuais dificuldades impostas pela doença. Para surtir seus efeitos, esse processo deve ser iniciado logo após o diagnóstico e deve ser mantido por toda a vida, passando por etapas sequenciais que incluem a exposição ao conhecimento num momento inicial. As etapas seguintes são de armazenamento e incorporação desses conhecimentos, o que deve proporcionar a necessária motivação do paciente no sentido de efetivamente implementar esses conhecimentos através da adesão às orientações recebidas da equipe de saúde. Os resultados clínicos positivos serão uma consequência lógica desse processo, que pode ser denominado de “cascata do conhecimento”, como mostra o quadro 1.

Quadro 1. Cascata do conhecimento no processo de educação em diabetes
Com frequência, o paciente mal informado e pouco motivado tende a encarar o diabetes como um castigo, principalmente quando o tratamento insulínico se faz necessário, com a sensação de que esse tratamento insulínico é a causa mais importante de suas percepções de vida bem pessimistas. Assim, ao invés de aceitar a insulina como uma opção salvadora para sua vida, acaba por satanizá-la como responsável direta por seus infortúnios. E fica a pergunta: alguém duvida de que um programa bem estruturado de educação motivacional e adequada intervenção farmacológica poderia aliviar grande parte desse desespero incontido?
A dimensão do mau controle do diabetes1
Já em 2006, a International Diabetes Federation (IDF) manifestava sua grande preocupação decorrente da “enormidade da epidemia de diabetes”, estimando que o número de pessoas com diabetes atingiria a marca dos 380 milhões em todo o mundo dentro de 20 anos se nada fosse feito. Segundo a IDF, o diabetes vem se tornando a grande epidemia do século XXI, tendo afetado naquele ano 5,9% da população adulta mundial, com impacto particularmente desastroso sobre os países em desenvolvimento, os quais abrigavam nada menos que 80% da população afetada em 2006.
Mais ainda: a IDF considera o diabetes uma condição “mortal”, que responde por 3,8 milhões de mortes por ano (em 2006), cifra bastante similar, em magnitude, à epidemia de HIV/AIDS. “Se nada for feito para conter essa epidemia, a consequência será um impacto significativamente desastroso para o desenvolvimento econômico de muitos países”2. O quadro 2 e a tabela 1 demonstram a preocupante situação da epidemia de diabetes em 2013, ainda de acordo com a IDF, em que o Brasil já aparece ocupando o quinto lugar entre os países de maior população de pessoas com diabetes em todo o mundo3.

Quadro 2. Distribuição da população de diabéticos por região

O grave problema do mau controle glicêmico é a universalidade, que atinge praticamente todos os países, com maior ou menor intensidade, sem distinção geográfica ou de nível sociocultural. Apesar do grande progresso ocorrido principalmente nas últimas duas décadas em relação ao lançamento de novos fármacos antidiabéticos, o objetivo final do bom controle do diabetes ainda está longe de ser atingido. Um estudo brasileiro recente avaliou o controle glicêmico de mais de 6.600 pacientes com diabetes tipo 1 (DM1) e diabetes tipo 2 (DM2) distribuídos em 12 centros de diabetes localizados em diferentes regiões do país. Esse estudo mostrou que apenas 10,4% das pessoas com DM1 e 26,8% dos indivíduos com DM2 apresentaram controle glicêmico adequado, representado por níveis de hemoglobina glicada (A1C) menores que 7%, como mostra o quadro 34.

Quadro 3. Representação gráfica do controle glicêmico no Brasil
Outro achado importante desse estudo foi o percentual significativo de pacientes que tinham mau controle, com A1C ≥9,0%, embora apresentassem autopercepção equivocada do estado de seu controle glicêmico: 41,3% dos pacientes com DM1, 43,0% dos pacientes com DM2 insulinizados e 19,6% dos pacientes com DM2 não insulinizados tinham a percepção errônea de que o controle do diabetes estava adequado. E mais: 30,0% dos pacientes com DM1, 37,4% dos pacientes com DM2 insulinizados e 15,8% dos pacientes com DM2 não insulinizados percebiam o controle glicêmico como “excelente”, quando, na verdade, apresentavam nível de A1C ≥9,0%, como mostra a tabela 24.
Diante desses dados altamente preocupantes, três conclusões parecem estar justificadas: 1) as estratégias atuais de controle do diabetes não estão surtindo os efeitos desejados; 2) novas abordagens mais eficazes precisam ser desenvolvidas com o objetivo de reverter esse quadro; e 3) estratégias educacionais mais efetivas e mais abrangentes precisam ser urgentemente desenvolvidas.
Novas modalidades de promoção da educação em diabetes
O potencial do farmacêutico na educação em diabetes5
O farmacêutico bem treinado é uma figura de fundamental importância na promoção da educação em diabetes, mas, infelizmente, ainda é relativamente reduzido o número de profissionais farmacêuticos envolvidos na educação e no controle do diabetes. No atendimento ambulatorial, a frequência de contatos do paciente com o farmacêutico é bem mais expressiva do que com qualquer outro membro da equipe de saúde. A literatura internacional apresenta vários estudos que comprovam a importância e a efetividade da atuação farmacêutica nas atividades de educação e controle do diabetes tanto em nível hospitalar como em nível comunitário e ambulatorial.
Um artigo publicado já em 2005 mostra os resultados de mais um estudo clínico que avaliou a efetividade da intervenção farmacêutica estruturada no controle glicêmico, no controle da pressão arterial e no uso preventivo de aspirina como antiagregante plaquetário. Participaram desse estudo 191 pacientes com diabetes que foram seguidos durante um ano. Os parâmetros de controle avaliados comparativamente, no início e após 12 meses de seguimento, apresentaram os seguintes resultados na avaliação final: a) hemoglobina glicada (A1C) média de 7,8% em comparação com 9,5% no início do estudo, e 72% dos pacientes apresentou uma redução de A1C maior que 1%; b) pressão arterial média de 135/75 mmHg em comparação com 141/79 mmHg no início do estudo; c) percentual de usuários de aspirina de 73% em comparação com apenas 34% no início do estudo; e d) economia estimada de custos de US$ 820,00 a cada 1% de redução de A1C no final do estudo, o que resultou numa economia de custos de US$ 59.040,00.
Os principais obstáculos à promoção da educação em diabetes
A educação em diabetes é um excelente investimento em saúde pública que não vem recebendo o devido apoio das estruturas privadas e oficiais de saúde. O primeiro obstáculo à implantação de programas eficazes de educação em diabetes reside justamente no conceito segundo o qual essa estratégia seria apenas um custo suplementar, e não um investimento racional de grande valia para a prevenção das complicações agudas e crônicas da doença. A mentalidade preventiva ainda não está presente em nossas prioridades de saúde.
O segundo obstáculo é a escassez de programas regulares e contínuos de educação e controle do diabetes, situação que se deve não apenas a problemas de falta de investimentos nessa atividade como também à falta de profissionais de saúde devidamente treinados e habilitados para o exercício dessa importante tarefa. Ressalte-se, ainda, que não existe no país uma postura de benefícios adicionais àqueles poucos profissionais de saúde que se dedicam ao aprimoramento de seus conhecimentos e à melhora de seu desempenho na atenção às pessoas com diabetes. Esse seria o terceiro obstáculo.
A responsabilidade da indústria farmacêutica na educação em diabetes
A Lei nº 11.347, de 27 de setembro de 2006, dispõe sobre a distribuição gratuita de medicamentos e materiais necessários à sua aplicação e à monitorização da glicemia capilar aos portadores de diabetes inscritos em programas de educação para diabéticos. O parágrafo 3º do artigo 1º da referida lei federal estabelece que “é condição para o recebimento dos medicamentos e materiais citados no caput estar inscrito em programa de educação especial para diabéticos”. Muito embora o espírito da lei ao fazer essa exigência seja altamente louvável, a realidade dos fatos nos mostra que esse quesito vem sendo sistematicamente ignorado em razão da quase inexistente estrutura de programas de educação em diabetes em todo o país.
O grande problema é que, tanto na clínica privada como nos programas governamentais de saúde, o médico está sobrecarregado e não dispõe do tempo necessário para orientar o paciente. Além disso, o número de profissionais de saúde não médicos e com treinamento adequado em diabetes também é muito escasso. Como consequência, o paciente acaba por receber medicamentos de uso razoavelmente complexo, como a insulina, o que pode resultar em diversos tipos de erros graves na técnica de sua aplicação.
As empresas farmacêuticas podem e devem implementar ações educacionais em diabetes de maneira ética e sem interferir na conduta médica, disponibilizando uma estrutura de educadoras especialmente treinadas para tentar suprir, pelo menos parcialmente, a deficiência reinante nesse setor. Além disso, tais empresas também devem implementar estratégias de manutenção da adesão a produtos de uso crônico através de programas de redução de custos de medicamentos especiais.
Em resumo, a união de esforços entre iniciativas privadas e governamentais é uma postura altamente desejável para promover a educação adequada em diabetes tanto do ponto de vista da informação como da facilitação do acesso a medicamentos especiais de uso crônico.
Referências
1- International Diabetes Federation. Diabetes Atlas 2006. Disponível em: http://www.idf.org/sites/default/files/Diabetes-Atlas-3rd-edition.pdf. Acesso em: 17 de junho de 2015. .
2- International Diabetes Federation. Diabetes Epidemic Out of Control (Press Release – December 4, 2006 – Cape Town, South Africa). Disponível em: http://www.idf.org/node/1354. Acesso em: 25 de junho de 2014.
3- International Diabetes Federation. IDF Diabetes Atlas – Sixth edition – 2013. Disponível em: http://www.idf.org/atlasmap/atlasmap. Acesso em: 25 de junho de 2014.
4- Mendes ABV, Fittipaldi JA, Neves RC et al. Prevalence and correlates of inadequate glycemic control: results from a nationwide survey in 6,671 adults with diabetes in Brazil. Acta Diabetol. 2010;47(2):137-145.
5- Ragucci KR et al. Effectiveness of Pharmacist-Administered Diabetes Mellitus Education and Management Services. Pharmacotherapy. 2005;25(12):1809-1816.

Informações do Autor

Dr. Augusto Pimazoni Netto
Coordenador do Grupo de Educação e Controle do Diabetes do Hospital do Rim – Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP
E-mail: pimazoni@uol.com.br

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