Câncer e obesidade: uma ligação perigosa

Câncer e obesidade: uma ligação perigosa

O sobrepeso e a obesidade aumentam o risco de dez entre os principais tipos de câncer, concluiu uma pesquisa publicada na revista médica The Lancet. O estudo acompanhou durante sete anos 5,4 milhões de pessoas saudáveis com mais de 16 anos na Grã-Bretanha
Considera-se com sobrepeso as pessoas com índice de massa corporal (IMC) maior do que 25 e com obesidade, maior do que 30. Segundo o estudo, cada cinco pontos a mais no IMC de um indivíduo aumenta o risco de câncer no útero em 62%; o de vesícula em 31%; o de rim em 25%; o de colo do útero em 10%; o de tireoide e o de leucemia 9%.
Além disso, a pesquisa encontrou uma relação entre um IMC elevado e maiores probabilidades de uma pessoa ter câncer de fígado (risco 19% maior); de cólon (10%); de ovário (9%); e de câncer de mama (5%). No entanto, esses riscos podem variar de acordo com alguns fatores, se a mulher já passou pela menopausa, por exemplo.
Segundo o estudo, o aumento de peso eleva o risco da doença mesmo em casos de pacientes com IMC abaixo de 30, que não indicam obesidade.
Com informações de Site Revista Veja, 14/08/2014 
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Experimentos indicam que o excesso de peso facilita o desenvolvimento de tumores malignos. Os pesquisadores, no entanto, tentam identificar quais processos biológicos estão envolvidos nessa obscura relação.
Conexão fatal
20% das mortes em decorrência do câncer também estão relacionadas à obesidade ou ao sobrepeso. Estar acima do peso ou obeso é um fator de risco para vários tipos de câncer. Entenda a grave relação entre a obesidade e os tumores malignos que assusta médicos e é cada vez mais estudada pela ciência.
Estima-se que, se cada adulto reduzir o seu índice de massa corpórea em 1%, cerca de 100 mil novos casos de câncer poderão ser evitados no mundo. Os pesos a naus estão rapidamente superando o tabaco como a principal causa prevenível de tumores malignos e, embora os dados ainda sejam  preliminares, pesquisas sugerem que o risco de desenvolver e morrer de cânceres comuns é aumentado em indivíduos obesos. A obesidade e o sobrepeso contribuem para uma a cada cinco mortes relacionadas ao câncer e cerca de 84 mil diagnósticos da temida doença a cada ano são atribuídos ao excesso de peso. Por esse e outros motivos, a ligação biológica entre as duas enfermidades foi um dos temas-chave deste ano do 50º Encontro Nacional da Sociedade Americana de Oncologia Clínica (Asco), o maior e mais importante evento científico sobre câncer do mundo, que aconteceu em Chicago, nos Estados Unidos.
Conduzido na Universidade de Oxford, no Reino Unido, o principal estudo a ser apresentado nessa linha oferece uma nova visão sobre a relação da obesidade e a mortalidade por câncer de mama. A pesquisa, envolvendo 80 mil pacientes com a doença em estágio inicial, indica que o excesso de peso está associado a um risco 34% maior de morte relacionada aos tumores na mama em mulheres prestes a entrar na menopausa e com receptores de estrogênio (ER) positivos para a doença. “De uma forma geral, a obesidade aumenta substancialmente os níveis de estrogênio no sangue apenas em mulheres pós-menopausa. Por isso, ficamos surpresos ao descobrir, na nossa pesquisa com mulheres ER positivo, que ela tem impacto negativo apenas nas pacientes em pré-menopausa”, declarou Hongchao Pan, um dos responsáveis pelo estudo.
Os resultados, avalia Pan, indicam que os cientistas ainda não entendem os principais mecanismos biológicos pelos quais a obesidade afeta os prognósticos. Das 20 mil pacientes na pré-menopausa com ER positivo, a taxa de mortalidade por câncer de mama foi um terço maior entre as obesas do que naquelas que tinham o peso normal. Isso significa, por exemplo, alterar um risco de mortalidade por câncer de mama de 15% a 20% num período de 10 anos. Em contraste, a obesidade teve pouco efeito sobre o resultado desse tipo de tumor nas 40 mil participantes que estavam na pós-menopausa e tinha o ER positivo e nas 20 mil em ER negativo para a doença.
É, então, possível que a mudança do estilo de vida mude o prognóstico para pacientes com câncer de mama?  Pesquisadores da Universidade de Yale, nos EUA, acreditam que sim. O trabalho que também foi apresentado no Asco deste ano inclui 97 pacientes obesas com a doença e demonstra que a perda de peso é ligada a menores níveis de várias substâncias associadas ao tumor, como fator de necrose, insulina e glicose. “Esses importantes dados dão suporte para uma composição de várias estratégias usadas no processo de cura das pacientes que devem, a fim de otimizar os resultados, envolver não só os tratamentos cirúrgicos, radioterápicos, quimioterápicos e antihormonais, mas também nutricionais, endocrinológicos e de exercícios físicos”, defende Fernando Maluf, oncologista da Clínica Oncovida, em Brasília, e chefe do Departamento de Oncologia Clínica do Centro Oncológico Antônio Ermério de Moraes, da Beneficência Portuguesa, em São Paulo.
Um estudo do Memorial Sloan Kettering Cancer Center, em Nova York (EUA), com 238 mulheres vítimas do câncer de mama, demonstrou, pela primeira vez, que a associação entre obesidade e maior risco da doença provavelmente se dá pelo aumento da inflamação no tecido mamário, bem como dos níveis de aromastase, enzima que atua no estrogênio – hormônio feminino ligado aos tumores na mama. “Além desses mecanismos, outros explicam esses achados, como o fato de existir nas obesas uma maior produção hormonal no tecido gorduroso, de haver substâncias que estimulam o crescimento do tumor no tecido gorduroso e de o excesso de peso e o diabetes provocarem modificações nos níveis de insulina e em seus fatores de crescimento, levando a um estímulo no desenvolvimento e no crescimento do câncer,” aponta Maluf, que esteve presente no evento da Asco e destaca esse terceiro trabalho na área.
Esforços a longo prazo
Ainda neste ano, a Asco emitirá uma declaração política e convocará uma reunião de cúpula para pesquisadores de uma gama de disciplinas relacionadas à obesidade a fim deindentificar e priorizar futuros esforços de pesquisa na área. A Sociedade Americana de Oncologia Clínica também declarou que foca seus esforços para integrar o treinamento em gerenciamento de peso junto da oncologia e, dessa forma, contribuir para a formação de uma nova geração de oncologistas preparados para gerir eficazmente os desafios relacionados à obesidade.
Mudanças na dieta
A restrição calórica, dieta em que a ingestão de alimentos é reduzida, tem sido apontada como estratégia de longevidade. Uma nova pesquisa sugere que a pratica pode gerar outros benefícios, incluindo melhoras no tratamento contra o câncer de mama. De acordo com um estudo publicado na revistas Breast Cancer Research and Treatment, o subtipo triplo negativo da doença – uma das formas mais agressivas – é menos provável de se espalhar (metástase) quando cobaias são alimentadas com uma dieta restrita. Segundo os pesquisadores do Departamento de Radiação Oncológica da Universidade Thomas Jefferson, a alimentação indicada se transfomou em um programa epigenético que protegeu os ratos de doenças metastáticas. De fato, quando modelos de camundongos com câncer triplo-negativo foram alimentados com 30% menos do que eles comiam quando tinham acesso livre à comida, as células cancerosas diminuíram a produção de microRNAs, moléculas de RNA que agem em outros genes das células e muitas vezes são aumentadas em câncer triplo-negativo que sofrem metástase.
Risco maior de recidiva
As evidências científicas mais fortes mostram uma ligação entre o excesso de gordura corporal e tumores malignos de endométrio (nas mulheres), colorretal, esôfago, rins, pâncreas. Assim como o câncer de mama na pós-menopausa. “Existem algumas possibilidades. Sabemos que os pacientes obesos e com sobrepeso têm geralmente mais gordura e, junto disso, um nível de inflamação baixo, mas crônico, que também leva a um maior risco de câncer”, diz Gilberto Lopes, oncologista do Hospital do Coração de São Paulo (Hcor-SP) e membro do Comitê Consultivo do 50º Encontro Anual da Sociedade Americana de Oncologia Clínica (Asco 2014).
Os médicos tratam o excesso de peso como um fator independente de risco. Ou seja, não está necessariamente ligado à falta de exercício físico ou a uma alimentação ruim. O tecido adiposo (formado por gordura) é considerado um órgão endócrino que produz diversas substâncias, toxinas e fatores inflamatórios capazes de induzir a proliferação celular e, em última instância, os tumores. “O tecido gorduroso produz substâncias que vão causar uma série de ativações celulares em diversos órgãos, não só no aparelho digestivo, elevando o aparecimento de câncer”, detalha Marcelo Cruz, oncologista do Centro Oncológico Antônio Ermírio de Moraes.
Cruz observa que o tecido adiposo é um órgão ativo que precisa ser mais bem estudado não só para pacientes obesos que desenvolvem a doença, mas para aqueles com excesso de peso que já tiveram câncer e que têm a quimioterapia como tratamento indicado. Isso porque os riscos não se restringem ao desenvolvimento da doença, mas também à recorrência do mal. “Pacientes obesos têm 52% a mais de chances que a população geral de desenvolver um câncer fatal. Nas obesas, o percentual é de 62%. Para essas pessoas, o risco após o tratamento de ter recaída é muito maior”, garante Lopes. “Eles também precisam emagrecer porque a obesidade aumenta o risco de o câncer voltar.” O oncologista ressalta ainda que as chances de metástase são maiores se comparado os pacientes com excesso de peso àquelas que mudaram os hábitos de vida e emagreceram.
Cânceres ligados à obesidade
Cabeça, pescoço, esôfago, pâncreas, rins, cólon , reto, mama e endométrio (em mulheres), próstata (em homens).
Incidência
Em 2007, mais de 84 mil novos casos de câncer foram causados pela obesidade. O percentual de casos da doença vinculados ao excesso de peso varia, mas chega a 40% para alguns tipos, especialmente no esôfago e no endométrio. O sobrepeso e a obesidade contribuem para uma a cada 5 mortes causadas pelo câncer.
Evidências científicas
Um estudo de corte prospectivo de 20 anos em adultos nos EUA descobriu que os participantes mais pesados eram significativamente mais propensos a desenvolver e morrer de câncer quando comparados a indivíduos de peso normal. Os obesos foram 52% mais propensos a desenvolver um câncer fatal; e as obesas 62%. Estudos também têm mostrado que pessoas com diagnóstico de certos tipos de câncer  que são obesas ou estão acima do peso têm um risco elevado de recorrência dos tumores.
Possíveis associações
- Pessoas obesas muitas vezes têm altos níveis de insulina no sangue e de um fator de crescimento (IGF-1) parecido com o hormônio. Essas condições podem promover o desenvolvimento de tumores. 
- O tecido gorduroso produz grande quantidade de estrogênio, que pode levar ao desenvolvimento de cânceres, incluindo os de mama sensíveis ao estrogênio e o de endométrio. 
- Pessoas obesas também costumam ter níveis baixos, mas crônicos de inflamação ou ainda subagudos, que têm sido associados ao aumento do risco de tumores. 
- Células de gordura (adipócitos) também podem agir em reguladores de crescimento de alguns cânceres.

Reportagem de Bruna Sensêve publicada no Correio Braziliense (Imagem: BS reprodução

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